Fernanda Cruz, autenticidade e atitude de quebrada

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Fernanda Cruz, a modelo independente, stylist e redatoda paulista que trilha um caminho impár na moda periférica e leva junto suas referências do Rap.

Diretamente da zona leste de São Paulo a Fernanda Cruz é uma personalidade importânte quando falamos em moda na quebrada. Trazendo muitas referências principalmente do Rap e do Funk a jovem artista certamente tem uma produção extremamente singular. Desde os seus ensaios até suas redações e peças próprias a Fernanda vem se espelhando em nomes como Tasha & Tracie, no entanto já hoje ela é espelho para muitas jovens que acompanham seu trabalho no mundo da moda.

Acima de tudo a mensagem a ser passada não tem nada a ver com fama, luxo ou sucesso, como ela mesma disse “Não é oque você veste e sim como voce veste”. Fernanda Cruz tem uma correria de quem de fato quer ver mudanças na relação da quebrada com a moda, o Rap, o Funk e tudo mais… Caso tenha dúvidas confira a conversa com a jovem artista.

Autenticidade de quebrada

RAPVIBE192: Então Fernanda, nos conte um pouco sobre Fernanda Cruz e sua paixão pela moda.

Fernanda Cruz: Então eu sou de São Paulo, Zona Leste, Santo André e desde pequena eu sempre gostei muito de moda, eu sempre gostei muito de tá fazendo roupa, eu sempre fui assim, desde pequeninha eu sempre queria fazer uns bagulhos diferente, só pra ter ali a minha própria autenticidade. Conforme eu fui pesquisando coisas sobre a moda eu sempre gostei muito de escrever sobre e aí que eu comecei a escrever artigos, eu nunca fui muito de postar mas só de tá escrevendo ali parece que eu consigo até me expressar melhor no dia a dia sobre o que eu quero pra mim.

Com o meu interesse na moda eu acabei me interessando muito por fotografia e várias outras coisas que envolvem a moda sabe, então, tipo, apesar de eu tá indo em vários ensaios, seguindo pro caminho de modelo, eu não quero me prender a uma coisa só porque eu gosto de tanta coisa que envolve a moda, que envolve fotografia, que envolve autenticidade tá ligado, que eu ainda não me declaro uma coisa só sabe, se me chamaram pra escrever matéria eu vou, se me chamarem pra fazer trampo de modelo eu vou, se me derem uma câmera na mão vou querer aprender a fotografar tá ligado, tipo são várias coisas ainda.

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RAPVIBE192: Você já produziu peças próprias, sério?

Fernanda Cruz: Sim mano, eu acho que esse baque deu fazer as peças foi mais assim na quarentena no começo, que eu não tinha muita coisa pra fazer eu não tava indo pra ensaio ainda, eu não fazia basicamente nada o dia inteiro e eu comecei a pensar mano eu tenho várias peças no meu guarda-roupa que eu não uso e eu posso transformar em um bagulho que eu ousasse to ligado, aí que eu comecei a fazer várias peças, comecei a me expressar através das peças mesmo mano. Tem coisa que com palavra cê não sabe falar, mas eu acho que inclusive mano, a moda um bagulho que é o que você sente, é o que você é tá ligado, então tipo, acho que a roupa é uma das melhores formas de você se expressar. E aí mano, como as roupas que geralmente tava em alta pra mim não era o suficiente pra mostrar que eu realmente queria ser ali no meio da roda de amigos eu comecei a fazer, tá ligado.

RAPVIBE192: Uma parada que me chamou muito atenção em você é que depois que lançamos o ‘Estética di Cria’ lá na RAPVIBE e olhamos os perfis de quem comentava, de cara o seu era o mais bem cuidado esteticamente e mais aprofundado sobre essa questão de moda, Rap (música no geral) e a quebrada… A autenticidade na tua proposta é foda, como você vê essa autenticidade e a sua relação com as roupas?

Fernanda Cruz: Esses rolê com a roupa hoje em dia eu já não ligo tanto porque eu percebo que muita das vezes é a forma que você usa a peça de roupa, tipo qualquer roupa que você tiver. Eu ainda tô na meta do quê?! de consumir coisa só de brechó, eu acho muito foda porque ali mostra que tipo, você pode ser a pessoa mais estilosa do rolê com peça de dez, cinco conto tá ligado, é mais sobre como você usa e não o que você usa, por isso que eu nem ligo tanto pra marca, pra hype de peça, é uma coisa muito supérflua pra mim.

Até porque nem sempre foi assim, eu nem sempre gostei da forma que eu me vestia, tipo, eu até gostava mas eu tinha vergonha com medo das pessoas que iriam falar alguma coisa, entendeu? Teve todo aquele rolê de mina preta tá ligado?! de eu não me achar bonita porque tinha as branquinhas padrão e aí eu perceber que eu nunca ia ser a mais bonita da escola porque era um outro rolê, não tinha nada a ver com o que eu usava. E aí eu me abdiquei de tudo, me abdiquei da delicadeza que as mina tinha, comecei a só fazer o que eu queria e aí que mudou tudo, muita gente que vê hoje em dia fala que eu sou estilosa e tudo mais, mas aí a gente sabe né que naquela época não era muito bem assim. Então tipo,

“É mais um bagulho mesmo que eu sinto mano, que eu preciso continuar independente do que aconteça porque querendo ou não acaba sendo uma forma de resistência né, a peça de roupa as vezes pode ser muito mais do que só uma peça de roupa.”

Reprodução/Instagram

Atitude de quebrada

RAPVIBE192: Interessante você falar da questão da resistência, você vê isso sendo uma reafirmação como alguém de quebrada? Tipo, pra você é fácil se entender como pertencente a quebrada e gostar disso?

Fernanda Cruz: Mano, eu acho que a minha reafirmação de mulher preta de quebrada demorou um pouco pra vim por quê? Porque minha família por parte de mãe é toda branca então né, sempre rolava ali na casa de família os cara falar ‘a aquele favelado’ que não sei o que sendo que os mesmos era de quebrada está ligado, e minha mãe com isso ela se sentiu meio oprimida porque ela sabia mano que a gente nunca teve muita condição, então ela tentava fingir ser o que não era ali pra parte da família dela tipo: “é verdade esses favelado aí”, e tipo meu pai que passava a real visão pra gente falando: “que a gente é preto mas tem que entender que vai ser tratado diferente sim.

Eu nunca entendi muito bem, mas eu entendi com o que? Com as vivências de rolê mano, que a gente ia com as parceira e tals e o cara do Uber tratava a gente super bem quando pegava e quando ia deixar a gente perto da nossa quebrada já tratava super mal tá ligado, a gente percebia o motivo.

Acho que sempre foi sim mano só que a gente foi se atentando mais quando a gente escuta o primeiro xingo, tipo “a esses favelado, que num sei o que”, eu ficava tipo, mano qual o problema tá ligado. Aí conforme eu fui me reafirmando eu meio que fui pegando uma certa revolta ali, então hoje em dia eu vejo, ha o boyzão não gosta que eu faça isso, tá bom, vou ir lá e vou fazer.

Porque eu percebo que agora os boy que quer pagar de quebrada, eles tão tentando fazer tudo querer pagar de vencedor na vida tá ligado?! é sempre muito assim. Mas querendo ou não no fim das contas mano isso beneficia os quebrada, porque todo mundo que tá no auge hoje em dia na música, na moda, a maioria vem de favela então a gente tá percebendo que mano, a gente tem talento ta ligado,

“só falta a gente se reafirmar mesmo e se aceitar do jeito que é e botar as cara no bagulho.”

Porque a gente se sentia tão oprimido antigamente que a gente nem botava as cara na cena, a gente falava “não, quando eu tiver dinheiro eu faço isso”, mas hoje em dia é totalmente diferente mano, eu acho que mesmo os boyzão passando vergonha fingindo que é quebrada, é bom que a gente vê que eles não é e a gente se luxa com isso tudo. Mas sempre teve isso né de pessoas não se aceitarem como favelado, até mesmo do que falei né, na minha família e tudo mais que sempre foi mó perreco pra eles aceitar que agora.

Eu faço questão de toda hora falar aqui em casa “nossa a gente veio de quebrada que não sei o que”, minha mãe ainda fica meio pá com isso, mas querendo ou não é um bagulho estrutural, vem de família dela de ter esse preconceito, então tipo eu ainda consigo colocar um pouco na mente dela que não é um bagulho ruim, né questão de ter vergonha tá ligado?! Até porque a maioria das pessoas que tem hoje em dia uma vida luxuosa vem aqui da quebrada, então tipo, sempre vai ter bagulho acho de pessoas terem esse preconceito com quebrada porque na época deles o auge era ser rico,

“agora parece que o auge é ser quebrada, tanto que tem até boizão fingindo ser né.”

RAPVIBE192: Quais são suas maiores referências? seja na música, moda ou outras áreas.

Fernanda Cruz: Então né [risos] eu me sinto tão representada que hoje em dia todo mundo me associa a elas que é quem?! Tasha & Tracie né. Nossa de verdade, eu acho que quando eu conheci elas mano foi um bagulho assim que parecia que eu me via nelas tá ligado, cê é louco foi muita gratificante, hoje em dia eu acompanho assim ó, de ponta a ponta, porque parça tudo, tudo que elas falam nas letras eu me sinto representada mano, é muito bom você sentir representada né, e ainda mais é uma pessoa que tipo tá chegando no auge dela ali, cê fica  “caralho mano mas eu sou praticamente igual elas tá ligado?!”.

A música mais impressionante do ano, "SUV" de Tasha & Tracie com Yunk Vino e Mu540
Reprodução/Instagram

E as mina tá conquistando os bagulho delas tipo, tanto que mano as mina até me pergunta mano por que todo mundo que vai postar alguma foto sua coloca a música delas no bagulho? Porque tipo parca, porque nós é foda carai cê é louco mano, eu ainda tenho muita fé que um dia eu ainda vou acabar fazendo um projeto com elas, cê é louco meu sonho, meu sonho demais mano. Elas são muito fodas de verdade, fora a vivência delas de desde sempre não querer nada que era dos outros sempre querer fazer o delas me inspira demais tá ligado.

A moda e a quebrada

RAPVIBE192: Fala um pouco dos seus primeiros trabalhos e dos mais recentes também, sei daquele que rolou com a Kondzilla, tem os trampos com a REF né?

Fernanda Cruz: Meu primeiro trampo foi pra ser modelo de uma loja, da Desapego Jotave, quem me chamou foi o Pedro que é um dos donos da REF né, na época eu nem conhecia o Jota que é o dono da desapego Jotave tipo, fui porque ele é amigo do Pedro e ele queria mais meninas pro ensaio e aí eu participei. Eu fiquei muito nervosa de início porque eu não tinha nenhuma noção de pose, de como me soltar, eu sempre fui uma pessoa muito tímida, muito na minha.

Acabou que o primeiro não saiu como eu queria, eu fiquei bem chateada tipo, eu falei mano capaz de nem me chamarem mais, tá ligado, mas eu comecei através desse ensaio a conversar com a Isa, a Isa é a menina que me chamou pra fazer um projeto com ela que inclusive é o Mulheres Que Vestem As Ruas que saiu na Kondzilla, ainda tem uma outra etapa pra sair mas já saiu a matéria lá e tipo mano, quando ela me chamou ela falou “olha, você vai sair na Kondzilla e eu acho que eu vou ser uma das mina que representaria bastante se tivesse ali” faltou eu surtar.

Mas graças a Deus deu tudo certo nesse dia, foi supernatural sabe, eu gostei demais que eu amo fazer trampo com mina por causa disso, porque não é um bagulho que você se sente pressionada tá ligado, você troca ideias, dá risada, você se identifica, é por isso que muita das vezes algumas pessoas me chamam pra fazer trampo e eu deixo de aceitar porque eu sei que eu não vou me dar bem com a pessoa, tipo, eu não vou me identificar com ela,

“eu dou prioridade pra pessoa que é de quebrada, que eu sei que eu vou conseguir ter uma finalização boa ali, porque meu trampo sair bom depende muito do meu humor, então se eu não tiver bem ali no dia vai ir por água abaixo.”

Techwear de quebrada (por @_lidicaetana) / Mulheres que vestem as ruas (por Mourão) / REF (por cavss.photos)

Então muitas das vezes eu já até recusei fazer projeto por conta disso e tipo, depois disso eu fui em vários ensaios que era só ensaio por ser, tá ligado?! tipo, o ensaio da REF eu acho que foi um dos mais marcantes pra mim depois do da Kondzilla porque é marca dos meus dois amigos entendeu? E tipo, desde o começo muito antes de eu começar ir pra ensaio, muito antes das minhas fotos sairem rodando por aí eles já me apoiavam desde sempre, então tipo é uma coisa é muito gratificante pra mim tá presente.

Eu uso a camisa da REF, eu ia falar uniforme [risos] mas como se fosse uniforme mesmo, eu estendo essa bandeira por onde eu vou porque é um bagulho que me representa e eu sei que eles se sentem representados pela tá ligado, porque tem todo um conceito de colocar ali frases que representem as quebrada mano. Então tipo, eu acho que os ensaios da Ref é um dos que mais me passam uma vibe de que eu tô em casa com pessoas que sempre me apoiaram e com coisas que tá escrito ali na camisa que com certeza eu vou me identificar.

Mas aí depois disso eu acho que projeto tipo que tenham matérias eu só fiz um [Techwear de Quebrada] que é sobre um editorial por causa de um amigo que ele produz as próprias peças, ele customiza peças entendeu?! E aí eu fiz um ensaio que tem uma ligação também com a música de outro amigo. Então, tipo, eu amo tá nesse negócio de modelo porque você não é tipo só tirar foto, você conhece várias pessoas de vários ramos. Então acho que meus projetos todos no fim das contas é uma junção de tudo que eu faço, é por isso que eu amo muito, mas eu acho que a maioria dos ensaios que eu fui ultimamente foi só ensaio de foto mesmo que quiseram me chamar, não tinha uma matéria envolvendo, não tinha um porquê de estar fazendo ali, era só mesmo pra ter foto junto.

RAPVIBE192: E assim, quais peças você mais tem mais se identificado sabe, que você costuma usar e gosta bastante?

Fernanda Cruz: Mano apesar daqui em SP ser muito frio às vezes eu sempre gostei mano de tá de shorts, aqueles shorts biker tá ligado? saia, mano eu sempre fui muito calorenta, mas que eu nunca deixei de usar é camisa de time, eu torço pro Corinthians ainda.

Tipo, mano, parece que todo lugar que eu vou eu tenho que tá é com camisa de time, porque mano, tudo bem, camisa de time esquenta, mas querendo ou não continua sendo um tecido leve tá ligado, eu gosto demais mano de camisa de time, parece que o bagulho é o acessório, é a peça principal e ainda assim pode continuar sendo uma peça neutra, eu amo, amo de verdade mesmo. Até porque dá o maior destaque né mano, cê é louco, agora todo mundo tá querendo usar camisa de time, que não sei o que né, que era mó brega né, eu sempre gostei, eu sempre achei muito foda.

Ensaio Fernanda Cruz, Fernanda Yamamoto e Izadora Godoy (cavss.photos)

RAPVIBE192: Roupa de luxo tem uma importância muito significativa ai nas quebradas de SP?

Fernanda Cruz: Mano então, eu acho que é aquela fita que tem na maioria das quebrada que é almejar muita Lacoste tá ligado, as peças de grife da Lacoste sempre foi presente nas letras de Funk, Louis Vuitton também tipo, essas peças assim que é mais comum que você vê em letra de Funk é o que todo quebrada ainda mano quando vencer e tiver lá no topo vai comprar, independente de onde seja e quando seja vai acabar comprando porque é como se fosse um sonho tá ligado? Até mesmo puxando o fato do artigo que o meu amigo Verum escreveu falando dos tênis de mil, que tudo que é citado em funk ostentação a gente acaba criando aquilo como um sonho e sempre vai querer ter artigo caro por mais que a gente precise disso pra ter estilo,

“é mais uma questão mesmo de realização de sonho, de tá ligado… de quebrada parca, de você se sentir conforme as letras de Funk que cê escutava antes falava tá ligado.”

RAPVIBE192: Grife, conforto ou a mistura dos dois?

Fernanda Cruz: Eu acho que tipo, até mesmo nas minhas roupas desde sempre o que eu prezo é conforto parca, mas é aquela coisa, existem certas marcas que pelo hype delas elas proporcionam um estilo e conforto, ainda mais eu acho que quem leva o estilo sportwear como um estilo assim fixo tá ligado que pô a ideia do sportwear inicialmente era um bagulho totalmente diferente, era um bagulho muito mais puxado pras roupas esportivas do que atualmente, porque agora tá mais aquela mistura de esporte fino, roupa mais pro dia a dia mesmo.

Então, tipo, acho que meu estilo acaba sendo uma mistura de tudo, eu não me prendo tanto a grife porque mano eu prefiro mil vezes tá usando o que representa a quebrada tá ligado. Mas de vez em quando ele é bom, né mano você catar um umas grife pra fazer parte do nosso estilo porque parça querendo ou não grife sempre vai ter um destaque, aquele destaque único, assim como roupa de quebrada também tá ligado, mas misturar os dois é a junção perfeita de tudo.

RAPVIBE192: Pra finalizar, quais os próximos trabalhos que você vai estar envolvida?

Fernanda Cruz: Eu tenho em mente fazer um projeto com meu irmão que assim, meu irmão ele é artista ele canta e ele lança várias referências na música dele e tipo, como eu sempre gostei muito de fazer editorial a gente tava planejando fazer o que?! Fazer várias matérias de pegar as referências que ele joga na letra e fazer um editorial sobre isso, tipo um mini editorial, nada muito grande também, mas fazer isso como uma forma de divulgação pra quando ele soltar a música, entendeu?! Fora também que a gente quer fazer um projeto que é Sportwear vs Streetwear e explicar a diferença, explicar cultura, de onde vem, como isso é presente na música, nas quebrada, como isso influencia na moda tá ligado. Eu ainda tenho bastante projeto em mente, mas os principais são esses.

ᴄᴀᴍɪʟʟʏ ᴅɪᴀs