por rapvibe192,
A História contada pela dança
A performance do Djonga no MTV Miaw 2020 foi de uma sensação sensacional, com um cenário impecável do topo de um prédio o rapper mineiro apresentou O Cara de Óculos, Oto Patamá e Olho de Tigre de forma brilhante, mas 3 outros artistas fizeram total diferença para que essa história fosse contada da melhor forma, Raquel Cabaneco, Nicolas Cabaneco e Hugo Fernando (Weezy).
De certo que as palavras dizem muito quando se fala em performance musical ainda mais quando se trata de Rap, mas o Hip Hop sabe que pra histórias serem bem contadas um conjunto de artes e expressões pode ser a solução, por isso a dança é um dos pilares do movimento, e na apresentação do Djonga no MTV Miaw 2020 a dança teve seu lugar no trono, se uniu cada nota tocada no beat e cada palavra dita numa apresentação memorável.
Os responsáveis por essa conexão impecável que rolou com o Djonga são os irmãos Raquel e Nicolas Cabaneco junto com o Hugo Fernandes (Weezy). Os irmãos Cabaneco tem nacionalidade guineense/brasileira e se envolvem com dança desde muito cedo, Raquel é especialista na dança africana e Nicolas tem um longo repertório com a dança contemporânea sendo eles também atores e modelos que sempre conectam essa mistura das mais variadas danças com a cultura de rua brasileira. O Hugo também é jogador caro quando se fala em dança, muito familiarizado com o Hip Hop e o Funk o artista já trabalhou com inúmeros artistas e com certeza você já assistiu o vídeo dele mandando passinho nos bailes BH afora assim como os Cabaneco também de Minas, é como eles dizem, Minas é excelência.
A apresentação começa com a introdução da Bia Nogueira na música O Cara de Óculos (presente no espetáculo Madame Satã), enquanto Weezy, Raquel e Nicolas estão aparentemente mortos no chão com ferimentos de balas pelo corpo e seus tênis fora dos seus pés, Weezy é o primeiro a se levantar e retirar as balas do corpo (ou qualquer alusão a se limpar da violência que havia acabado de sofrer), Nicolas e Raquel seguem os movimentos. Djonga começa a cantar quando os três estão de pé, é a música perfeita pois começa falando de um renascimento do próprio Djonga em 2006: ”Era 2006, eu com 11 atrás de um Puma Disk/Passou a fase do doze mola/Atrás de uma novinha pra ah, uh/Primeiro tomei coragem, depois tomei um fora/Inspiração foi os maluco/De 125 na porta da escola/Sem disfarçado, o corte era cinco conto/Relaxante no cabelo que o pretin’ decola“
Esse é o exato momento assim… que eu descobri que queria andar com a roupa doida, queria andar bonito igual os boy, e que eu queria pegar as menina e curtir a vida ta ligado?! Ser foda, ser o dono da situação e mandar na situação… acho que 2006 é um marco assim na minha vida nesse sentido
Djonga em entrevista ao RAP TV
Na cultura de rua expressada no cinema, livros e musicas (incluindo muitas do Djonga) um Tênis jogado na rua ao lado do corpo é um dos maiores sinais que aquela pessoa está realmente morta e provavelmente de forma violenta, o tênis é geralmente um bem material caro pra classes mais pobres da comunidade, se torna rapidamente um produto que vai receber muito cuidado por conta do preço e pela conquista de ter uma peça que necessitou de muito pra ser chamado de seu. A primeira coisa feita pelos bailarinos quando se levantam é calçar o tênis, mostrando que estão renascidos, vivos, e querem ser seus próprios donos assim como Djonga em 2006 no começo de O Cara de Óculos.
Os passos de dança começam e de forma gradativa os movimentos vão ganhando confiança, em pouco tempo eles vão se mostrando mais certo do que acreditam, firmes em cada movimentação e ousados acima de tudo, cabeça erguida, olhar e postura confiante assim como a trajetória contada pelo Djonga na música O Cara de Óculos, só que agora mesmo sem os óculos são os quatro pretos no topo do prédio que demonstram o poder da pele mais odiada e mais amada do mundo.
É ao final da performance do Nicolas com seu Break Dance, enquanto Weezy e Raquel estão ao fundo livres mandando um freestyle, que Djonga começa a cantar o refrão da música Oto Patamá. Nesse momento Djonga clama quase que agradecendo a sua área, o refrão que da nome ao seu ultimo disco lançado clama por esse lugar em que ele muito aprendeu, apanhou e que lhe preparou para fazer dele o dono da sua própria história, é nesse tempo que Raquel, Weezy e Nicolas também se preparam para tomar seu lugar ao trono e vestir a mensagem que carrega essa apresentação.
Hugo Fernando/Raquel Cabaneco/Nicolas Cabaneco
Djonga começa a música Olho de Tigre, os três bailarinos já não estão fazendo passos de dança nesse momento mais ainda possuem aquele mesmo olhar de confiança e ousadia adquirido enquanto renasciam se movimentavam no topo do prédio. Eles transmitiram toda aquela energia de estarem mortos, renascerem, ganharem confiança e liberdade para uma imagem inesquecível: sentados no trono como reis iguais seus ancestrais, pernas cruzadas, mãos no joelho, olhar firme… em suas cabeças coroas, em seu peito a mensagem “PAREM DE NOS MATAR”.
Um show a parte dos bailarinos em cada movimentação, quando o beat dropa eles mudam suas posições ainda mais confiantes agora, nessa segunda posição é como se olhassem dentro do olho de cada telespectador buscando nos seus a força pra se manter firme e causando nos racistas o medo de um olhar fulminante de quem carrega na pele a história de um povo forte e renascido.
A performance continua e eles fazem sua referência ao Pantera Negra no clássico movimento de cruzar os braços no peito, um breve momento em que eles largam suas posições pra prestar homenagem a um personagem e artista que conta a mesma história que os movimentos expressados no alto daquele prédio. Eles retomam suas posições com aquele olhar penetrante carregado de história, é no final da música que retiram suas coroas com todo cuidado e repetem um movimento parecido com o balanço de um barco, como a história do povo preto que teve sua coroa retirada e foram obrigados a atravessar o oceano… Só que dessa vez eles estão no topo, exalando a beleza de cada movimento e som do alto daquele prédio, a beleza de um povo que ainda luta muito pra sobreviver e que se mantém forte e próspero.
Sensação, sensacional. Sensação, sensacional
Firma, firma, firma… Fogo nos racista
Refrão da canção ‘Olho de Tigre’
Djonga, Weezy, Raquel e Nicolas em sintonia num mesmo movimento, com aquele mesmo olhar fulminante, confiante e que abraça ao mesmo tempo, caminham juntos pro fim de uma apresentação inesquecível e o começo de um movimento que ainda vai renascer muitas peles pretas mundo afora.