Como o artista independente Victor Tavares e seus amigos da Favela Para Pedro (RJ) desenvolveram um EP complexo em sentimentos e especial em cada palavra num cenário tão difícil em se falar de arte?! confira na entrevista com o rapper carioca.
A favela Para Pedro no Rio de Janeiro certamente não é uma das mais conhecidas do estado, sua extensão também não é das maiores, seus apelos tampouco ouvidos, mas oque tem acontecido lá dentro nos últimos anos que tem despertado um movimento único dentre as comunidades Brasil a fora?! Os artistas Victor Tavares, Nash, 2N, Americano, Garbo, EmoBeat e Bel Lima (mãe do Victor) tem a resposta.
O EP ‘Guias de Dentro pra Fora‘ (o primeiro do Victor Tavares) é composto por 7 faixas estreitamente bem interligadas e escritas quase que de maneira psicografada de tão intimas e carregadas que são as mensagens, a necessidade urgente de falar, de dizer ao mundo oque o mundo negligenciou em ouvir, a vontade de ver a mudança sendo eles a força motriz da mudança… ‘Guias de Dentro pra Fora‘ não é um EP de hoje, tem histórias, vivências, referências, falas, mensagens e angustias de uma comunidade pequena mas que quando decide falar se torna o impossível, e pensando bem o impossível já é a realidade do Victor Tavares, de seus amigos e do Para Pedro, então se for pra sobreviver na pedra de selva que seja gritando.
Faixa ‘Emaranhado’ posterior ao ‘Prefácio Combate’ escrito e declamado pela mãe do Victor, dona Bel Lima.
É no cenário de incertezas, de pandemia e com poucos recursos que o EP começa a ganhar forma, com todo o projeto sendo liberado ao longo dos meses de março, abril e maio nós da mídia RAPVIBE192 (também do Para Pedro) acompanhamos cada música com uma live por lançamento, confira a entrevista do EP Guias de ‘Dentro pra Fora‘.
RapVIBE192: Como é essa questão do Rap/desabafo nessa terceira faixa com Garbo e no EP como todo?
Victor Tavares: “Tu vê o quanto esse bagulho é pra libertar mesmo os artistas e ajudarem as pessoas a se libertarem tá ligado?! é uma válvula de escape muito forte, o Rap dá a sensação de você tá vivo de novo né não mano?!”
Garbo: “é a válvula de escape que nós tem tá ligado, é você ser um instrumento, a vida deu um instrumento pra tu levar e o nosso é o Rap […] ‘Tando’ num palco, sendo artista era um meio de ser reconhecido sem ser pelo tráfico, tu não precisa tá portando um fuzil pras pessoas te olharem de forma diferente.”
RapVIBE192: na faixa com 2N tem uma critica consistente né sobre a relação com a internet, como foi construir isso e quem é Like?
Victor Tavares: “Mano, quando ele (2N) canta na musica “Like é caso sério irmão”, Like é o nome do cachorro dele (risos), só que também coube na música porque like é um bagulho sério tá ligado e ai tu vê que a parada vai se transformando no decorrer, eu pensei na estrutura mas não pensei muito aí ele fez a música… foi no freestyle mano a música tanto que ele não gravou no mesmo dia.
Colorido Daltônico (quarta faixa do EP) é justamente sobre o lance da internet tá ligado, a gente vive uma parada muito colorida ai dentro e aqui fora tá tudo errado, o daltônico é o cara que não enxerga as cores e como é que é um colorido daltônico? como você vive os dois? a gente vive isso mano, a gente bota um bagulho ali dentro e aqui fora a gente é outro […] Vamos voltar pra realidade, acho que o mundo tá faltando vim pra cá.”
RapVIBE192: O 2N fala perfeitamente em uma parte dá música sobre esse desligamento da realidade, de um amigo seu né?
2N: “Isso foi um acontecimento de um conhecido meu, jogava bola comigo a um tempo atrás tá ligado, nisso ele era um cara muito conectado a internet, ao contrário de mim de vocês ligar e não me achar o cara era totalmente diferente, mandava mensagem o cara já… era rápido. Ele chegou a falecer por ele tá muito na internet, foi meio que um assalto ele focado no telefone, ‘fonezinho ‘, quando o cara foi meter a mão no telefone dele ele tipo meio que deu um susto e levantou a mão nisso o cara disparou… Tava desligado do mundo real, conectado ali.”
RapVIBE192: O EP ‘Guias de Dentro pra Fora’ tem momentos de gritos, de confusão, de sensibilidade, tomadas de decisão e lágrimas, se permitem lágrimas também num lugar tão rígido?
Victor Tavares: “As lágrimas limpam a alma, elas limpam mano não tem como falar que elas não limpam a alma, se você chorar por alguma coisa pode ter certeza que aquilo ali vai passar… Mas o lance é, a gente hoje não se permite chorar e esse que é o lance, se a gente se permite chorar aquilo passa mano porque você se entende, quando você chora é seu corpo entendendo a energia e transbordando […] quando entra energia sai fluido, a rua não abraça sentimento, homem não pode chorar, ser sensível, homem não pode cruzar a perna senão é viado tá ligado, não pode pintar a unha…”
RapVIBE192: EmoBeat, você é um feat na sexta faixa embora não cante no som, mas a composição sonora e a produção nas suas mãos se transformaram em um espetáculo, como começou a aprender a fazer essa mágica de beat/produção?
EmoBeat: “Na época da antiga gravadora a gente tinha um produtor que não produzia e tinha que rimar com beat de internet, eu me senti na obrigação de aprender a fazer beat pra poder rimar com um bagulho nosso, e eu senti que tipo o s beats de internet não eram muito a minha imagem passada, eu queria fazer um beat com a minha atmosfera e foi ai quando eu aprendi a fazer assim”
RapVIBE192: Já parou pra pensar na trajetória do EP que você construiu?
Victor Tavares: “O EP é a construção da merda pro todo, começo na merda, começa o EP na bosta ali desabafando falando tudo, ai depois vem os papo que o amigo tá na merda e ai tu tem que segurar a merda que tu tá pra acolher o amigo na merda que ele tava, depois vem o 2N direcionando um pensamento do porque a gente tá na merda, e ai depois vem ‘Temporal Inesperado’ (quinta faixa) que ai é tipo termino do relacionamento que tu já tá na merda e fica mais na merda e ai mano chega uma hora que tu não tem mais pra onde ir tá ligado, é tanta merda que tu não tem mais pra onde ir e ai brota teu amigo, um irmão, tu fala mano vamos sair desse poço, vamos sair disso ai que tem alguma coisa errada”
RapVIBE192: Você vem na penúltima música do EP do Victor né Americano, como que foi participar e ver acontecer o resultado do Guias de ‘Dentro pra Fora’
Americano: “Mano eu tenho um instinto de ajudar eu gosto de fazer pra rapaziada participar, gosto de ver a geral participando mano, eu faria o EP do menó inteiro, trabalhei o EP do menó inteiro tá ligado de boa, mas eu tiro esse lance de poder tá protagonizando essa música e esse principio, porque mano não tinha outro principio… e muito doido nossa música saiu ontem e nosso ponto (ponto de cultura da comunidade Para Pedro) foi lançado ontem com uma aula de basquete, que louco mano”
RapVIBE192: Estando na ultima faixa Nash como foi pra você ver esse projeto pronto, no tempo que foi e da forma que foi?
Nash: “Mano foi um bagulho que foi no tempo certo pra tu ver como eu falei que muitas coisas se alteraram… ele (Victor Tavares) não fez todas as faixas pensando no EP tá ligado, ele tinha todas as faixas prontas e decidiu depois botar no EP, então quando ele tava produzindo cada uma das faixas eu vi o sentimento e depois tu vê que o bagulho te liga porque era ele ali se expressando em cada um dos momentos.
Quando tu vai destrinchando e quando o bagulho vai fazendo sentido, te dá confiança pra se jogar também, e acho que deu pra todo mundo que tá aqui por isso que é um projeto dele mano mas no final se alterou mais uma coisa, não foi só dele, tá todo mundo irmão.”
RapVIBE192:Como se sente depois desse trabalho impecável e como você vê o EP hoje?
“Eu hoje tô entendendo meu EP, eu não entendia oque eu tinha feito e depois daquilo ali eu tive um entendimento meu tá ligado, com meu entendimento eu consegui criar uma estrutura pra gente se levantar que é a estrutura do ponto de cultura da favela e que aquilo ali é pra gente tá ligado, e eu consegui demonstrar pra eles que é pra gente… Mano voou te falar um bagulho muito doido, eu tô me conhecendo demais depois desse diálogo com a Rap VIBE, desse diálogo com o EP”
Vídeo da construção do ponto de cultura na Comunidade Para Pedro.
Foi parte da nossa conversa com essa galera pra lá de especial da Cultura Parapedrense que certamente ainda vão proporcionar muita coisa boa pra querida comunidade da Vila São Jorge mais conhecida domo Para Pedro, é num bairro chamado Colégio, lugar onde cresceram os rappers LDolla e Fael Tujaviu, os funkeiros Carlos e Marcelo, Dona Bel e a nova geração Nash, Victor, Americano, 2N e a própria mídia RapVIBE192, com passagens e presenças especiais de Kelson da Construção, Tiago Mac, MC Chapadão, Sant e outros, é em uma comunidade carente muito sofrida mas cada vez mais unida e disposta que o levante tá acontecendo, e o EP ‘Guias de Dentro pra Fora‘ provou isso.